sábado, 23 de maio de 2009

Dois Perdidos Numa Noite Suja.

No dia 22 de maio, o Sesc de Nova Friburgo trouxe a peça Dois Perdidos Numa Noite Suja. André Gonçalves e Freddy Ribeiro interpretam Paco e Tonho, respectivamente, sob a direção de Silvio Guindane. Peça escrita em 1966 e é uma das mais importantes do autor brasileiro Plínio Marcos.

A montagem foi bem conduzida pelos atores e diretor. André Gonçalves tem ótima interpretação vocal e corporal que contribui para tom dado personagem e suas nuances. O cenário e o figurino atendem bem as necessidades do texto.

Encenado em vários países como França, Alemanha, Inglaterra e Cuba, também foi adaptado duas vezes para o cinema. A peça conta a história de dois operários falidos de um Mercado de Peixe do cais do porto. Semi-marginalizados, ambos dividem um quarto de quinta categoria, cheio de pulgas onde se desenrola toda a trama.
Paco é um personagem tomado pelo sentimento da provocação que gosta de tocar (mal) sua gaita para implicar com Tonho. Este, por sua vez, tenta enxergar uma possibilidade de melhorar de vida e se livrar do colega de quarto. Para isso, precisa apenas de sapatos novos para ir em busca de realizar seus desejos. Paco aparece com bons andantes e Tonho propõe que o colega o empreste. Em troca promete que, assim que ganhasse dinheiro, lhe daria uma flauta nova. Assim, ele poderia realizar seu sonho de ganhar a vida como artista.

Plínio Marcos era filho de um bancário e de uma dona-de-casa. Tinha 4 irmãos e uma irmã. Foi funileiro, quis ser jogador de futebol e serviu na Aeronáutica. Seu pai, que era espírita, também o colocou para vender livros numa banca de livros espíritas numa praça de Santos. Entre suas múltiplas atividades, inclui-se, ainda, a de estivador no cais do porto desta mesma cidade. Chegou a jogar na Portuguesa Santista, mas foram as incursões ao mundo do circo, desde os 16 anos, que definiram seus caminhos. Plínio queria namorar uma moça do circo de quem o pai só permitia que ela se relacionasse com pessoas do prórpio meio em que trabalhavam. Para isso, o menino ingressou como palhaço e trabalhou por vários trupes diferentes. Atuou em rádio e também na televisão, em Santos.

“A gente veio de origem mais ou menos humilde, mas minha infância foi muito feliz, pelo menos foi muito despreocupada. Morava numa vila de pequenos bancários – na Rua das Antigas Laranjeiras - e foi nessa vila que me criei. A única dificuldade que eu tinha era exatamente o colégio. Eu não suportava a escola. [Grupo Escolar Dona Lourdes Ortiz] Levei quase dez anos para sair do primário. E quando saí já não dava mais para continuar estudando. Meu pai tentou me enfiar em todas as profissões possíveis. Ele dizia que, se eu tivesse uma profissão, sempre iria sobreviver. Então, me botou de aprendiz de encanador. Eu acabei ficando funileiro. A minha profissão mesmo é funileiro - é o que consta no meu certificado de reservista. Para ser franco, eu, quando pequeno, era tido como débil mental. Não conseguia aprender. Meu poder de concentração era nenhum.”

Em 1958, por infuência da escritora e jornalista Pagu (Patrícia Galvão), começou a se envolver com teatro amador em sua cidade natal. Ela e o marido, o jornalista Geraldo Ferraz, abriram os horizontes intelectuais do jovem ator, apresentando-lhe textos da dramaturgia moderna. Nesse mesmo ano, impressionado pelo caso verídico de um jovem currado na cadeia, escreveu sua primeira peça teatral, Barrela. Por sua linguagem crua, ela permaneceria proibida durante 21 anos após a primeira apresentação.

“Houve um caso, em Santos, que me chocou profundamente: um garoto foi preso por uma besteira e, na cadeia, foi currado. Quando saiu, dois dias depois, matou quatro dos caras que estavam com ele na cela. Fiquei tão chocado com esse negócio todo que escrevi a Barrela. Juro por essa luz que me ilumina que até então nunca havia me ocorrido escrever uma peça, pois eu não conhecia as grandes peças da dramaturgia nacional, nem universal. Conhecia as peças que eram apresentadas no Pavilhão Liberdade: Paixão de Cristo, O Mundo não me Quis, Rancho Fundo, O Ébrio. Mas, o caso do garoto me comoveu tanto, que eu, depois de andar uns tempos atormentado com a história, a despejei no papel.”

Com 25 anos, foi para São Paulo, onde inicialmente trabalhou como camelô.

"Vim pra São Paulo de vez em 1960. Aqui, a primeira viração foi vender coisas de contrabando. Eu ia buscar em Santos e vendia aqui: cigarros americanos, rádio de pilha, esses troços. Fiquei um tempão trabalhando de camelô".

Trabalhou em teatro como ator, administrador e faz-tudo, em grupos como o Arena, a companhia de Cacilda Becker e o teatro de Nydia Lícia. Também fez uma participação como ator no seriado Falcão Negro da TV Tupi. A partir de 1963, produziu textos para a TV de Vanguarda, programa desta mesma emissora, onde também atuou como técnico. No ano do golpe militar, fez o roteiro do espetáculo Nossa gente, nossa música.
Em 1965, conseguiu encenar Reportagem de um tempo mau, colagem de textos de vários autores, e que ficou apenas um dia em cartaz por ser a favor da democracia.
Plínio escreveu a peça Dois Perdidos numa Noite Suja para que ele mesmo pudesse representar, já que não era chamado por ninguém para trabalhar como ator.

“Ator pequeno, sem nome, sem carreira, sem nada, trabalhando de técnico na Televisão Tupi, ninguém convidava pra nada. Ninguém se lembrava que eu era também ator. Então escrevi uma peça com papel pra mim. Uma peça de dois personagens, inspirada num conto do Moravia, O Terror de Roma. Peguei o Ademir Rocha, que também estava desempregado, e chamei o Benjamin Cattan pra dirigir. E, como não tínhamos local, fomos estrear no Ponto de Encontro, um bar na Galeria Metrópole, que o Emílio Fontana conseguiu pra nós."

Nídia Lycia e Bucka ajudaram Plínio a montar a peça emprestando dinheiro. Na estréia havia apenas 5 pessoas na platéia.

“O pessoal da técnica da Tupi ajudou a gente a afanar refletores, os praticáveis, as camas e tudo aquilo de que precisávamos para o cenário. O transporte foi feito pelo pessoal da garagem. O Toninho Matos e o Paulinho Ubiratan operavam luz e som.”

Em 1968, participou como ator da telenovela Beto Rockfeller, vivendo o cômico motorista Vitório. O personagem seria repetido no cinema e também na telenovela de 1973 A volta de Beto Rockfeller, com menor sucesso. Ainda nos anos 70, Plínio Marcos voltaria a investir no teatro. Em forma de livro, publicou suas peças em Histórias das quebradas do mundaréu (1973), A rainha diaba (1974) – que posteriormente foi para o cinema, e o romance Querô, uma reportagem maldita (1976).

Na década de 1980, época da censura, Plínio Marcos viveu sem fazer concessões, sendo intensamente produtivo e sempre norteado pela cultura popular. Escreveu nos jornais Última Hora, Diário da Noite, Guaru News, Folha de S. Paulo e Folha da Tarde e também na revista Veja, além de colaborar com diversas publicações, como Opinião, O Pasquim, Versus, Placar e outras.

Depois do fim da censura, Plínio continuou a escrever romances e peças de teatro, tanto adulto como infantil. Tornou-se palestrante, chegando a fazer 150 palestras-shows por ano.

Plínio Marcos foi traduzido, publicado e encenado em francês, espanhol, inglês e alemão; estudado em teses de sociolingüística, semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia, em universidades do Brasil e do exterior. Recebeu os principais prêmios nacionais em todas as atividades que abraçou em teatro, cinema, televisão e literatura, como ator, diretor, escritor e dramaturgo.
Plínio Marcos nasceu em Santos no dia 29 de setembro de 1935 e morreu aos 64 anos em São Paulo, por falência múltipla dos órgãos em decorrência de um derrame.

Cronologia de sua obra:

Teatro adulto:
“Barrela” – 1958.
“Os fantoches” – 1960.
“Enquanto os navios atracam” – 1963.
“Chapéu sobre paralelepípedo para alguém chutar” – 1965.
“Reportagem de um tempo mau” – 1965.
“Dois perdidos numa noite suja” – 1966.
“Dia virá”, “Navalha na carne” e “Quando as máquinas param” – 1967.
“Homens de papel” e “Jornada de um imbecil até o entendimento” – 1968.
“O abajur lilás” e “Oração para um pé-de-chinelo” - 1969.
“Balbina de Iansã” – 1970.
“Feira livre” – 1976.
Teatro infantil:
“As aventuras do coelho Gabriel” – 1965.
“O coelho e a onça (história dos bichos brasileiros)” – 1988.
“Assembléia dos ratos” - 1989.
Opereta:“Noel Rosa, o poeta da Vila e seus amores” – 1977.
“Jesus-homem” – 1978.
“Sob o signo da discoteque” e “Querô, uma reportagem maldita” – 1979.
“Madame Blavatsky” - 1985.
“Balada de um palhaço” – 1986.
“A mancha roxa” – 1988.
“A dança final” – 1993.
“O assassinato do anão do caralho grande” – 1995.
“O homem do caminho” – 1996.
“O bote da loba” – 1997.
“Chico viola” (obra inacabada) – 1997.
Textos curtos:
“Verde que te quero verde” – 1968.
“Ai, que saudade da saúva” –1994.
“Índio não quer apito ou nhe-nhe-nhem” –1995.
“Leitura capilar” e “A alma do Tietê” – 1997.

Fonte:

PAGLIA, Mirian. “Histórias das quebradas do mundaréu”; Editora de Cultura Ltda.; São Paulo, 2004.
http://www.pliniomarcos.com/index2.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pl%C3%ADnio_Marcos

1 comentários:

Luiz Fernando disse...

Não conhecia a obra de Plínio Marcos e a autora desse texto não só fez com que eu o conhecesse, mas também que eu admirasse seu trabalho.
Muito bom mesmo!!!

 
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